Quando se pressiona o interruptor espera-se que uma série de processos mais ou menos mágicos determinem o resultado final: luz. Fazer play em Glockenwise costuma ter um efeito semelhante, imediato, electricidade e urgência a atravessar fios invisíveis, fotões a colorir a sala cheia de gente disposta a aproveitar o berro da lâmpada que já ameaça fundir.
Faço um compasso de espera, a dois passos da porta de “Heat”, o terceiro álbum dos quatro rapazes de Barcelos. Avanço, abro a porta que range, o interruptor não funciona. Ouve-se “Cardinal”: o porteiro antipático; um curto-circuito; não há voz; há fantasmas de outras músicas e de outro tempo; há suor e a luz espessa e intermitente de um candeeiro esquecido a um canto. Sigo para a canção – nunca esta palavra lhes assentou tão bem – que dá nome ao álbum e apesar da sala escura juraria ter visto o Morrisey a atirar flores à multidão ressuscitada do CBGBou da Hacienda. Em “Eyes” e “Time (Is a Drag)”, os Glockenwise desvendam definitivamente esse lugar ambivalente onde agora escolhem morar, por um lado escuro e romântico, por outro – mais do que nunca - sónico e incandescente. Incendeiam o conceito de “difficult third album” e deixam ver por entre as chamas que este é só o início (mais um).
A casa está cheia de fumo e convidados ilustres, sofisticados. Na última sala há, Buzzcocks, Stone Roses, Stooges, triturados na engrenagem de uma máquina pop a que chamaram “Lasting Lies”. Há faíscas a beijar os cortinados, risco de catástrofe, isto não é para meninos. Precipito-me para o exterior e debaixo do alpendre a arder recordo a pergunta que me fizeram à entrada: “can’t you feel the heat that is coming your way?”. A resposta é, obviamente, sim.