Este disco pode ser um choque. E será, seguramente, um “caso” que vai fazer-se ouvir e dar que falar por muito, muito tempo. Não apenas porque é indecentemente bom, mas porque abre uma porta que, até agora e no mundo inteiro, muito poucos se atreveram a transpor com êxito, retomando uma dúzia de velhas canções e transportando-as para uma outra dimensão sem que a essência de cada uma delas em momento algum se dilua ou se desfigure.
Este disco é um trabalho de inteligência. Propõe-nos, a partir de um conjunto de obras de um dos maiores criadores portugueses, uma outra escuta e uma outra leitura, universal e contemporânea, que as engrandece e acrescenta. Se dúvidas houvesse sobre a intemporalidade adjacente à obra de Fausto Bordalo Dias, bastaria ouvir estas canções, refeitas com muito engenho e grande arte: está aqui tudo o que já estava, mais o que lhes foi acrescentado, e o mais que se verá.
Este disco é, pois, a prova de vários factos: que esta música está (esteve sempre) muito para lá do tempo em que foi feita; que estas palavras e estes sons carregam em si toda uma visão dinâmica do mundo; que com talento e génio em doses certas não há mesmo limites para o que a música pode ser.
Este disco é o passo seguinte de uma das mais notáveis bandas de língua portuguesa. Luanda Cozetti e Norton Daiello são os Couple Coffee, ou pelo menos a sua parte mais visível. Na verdade, o duo é frequentemente um agregador de talentos vários (como aqui acontece, e aconteceu também nos registos anteriores), juntando vozes de diferentes quadrantes e sensibilidades, associando músicos com distintos percursos, e criando a partir daí como que uma outra identidade, concreta e definida, onde o total é sempre muito mais do que um somatório de partes avulsas.
Este disco é um caso de perfeita simbiose entre o amador e a coisa amada: entre Luanda, Norton e todos os músicos que tão prazenteiramente se nos apresentam, e as canções que escolheram para dar corpo a uma obra que é, só podia ser, um acto de amor. E, por isso, também um acto de partilha. Tomai e comei.
Este disco chama-se “Fausto Food”, e isso não é um acaso – como nada do que a Luanda e o Norton fazem é por acaso. Para os que, por simplicidade ou preguiça, se apressem a fazer a analogia fonética óbvia com qualquer tipo de comida rápida, dir-lhes-ei que esta “food” é antes uma refeição gourmet, para saborear intensa e vagarosamente como é próprio dos bons manjares. E, já agora, com o som bem alto, de preferência.
Este disco não é próprio para ouvidos calcificados, como não o é nenhum outro disco de Fausto ou dos Couple Coffee. Digo, com a certeza que me dá tudo o que (ou)vivi, que este é dos melhores trabalhos a que a língua portuguesa e música dela deram origem neste século.
Este disco pode ser um choque, e oxalá que sim. O Fausto, a Luanda, o Norton, e todos quantos lhe deram corpo e alma, merecem. E nós, ouvintes felizes, só temos de lhes agradecer este (en)canto.
Posto isto, apertem os cintos, e lá vamos nós. Descarada e alegremente, que o tempo não é de ais, mas de querer mais.