Pedro Mestre no Grande auditório do CCB. E bem acompanhado. No palco, uma impressionante visão; instrumentos, altifalantes, cadeiras, microfones. E focos de luz que tudo revelam no momento certo.
O ritual anunciado apenas aguarda a entrada dos oficiantes. Os músicos, amadores e profissionais. Hoje o palco pertence-lhes. O público já está na sala, convenientemente sentado em poltronas confortáveis, num ambiente climatizado em que tudo foi pensado para permitir ver o que se passa no palco. A voz off que pede para se desligarem telemóveis e proíbe a captação de som ou imagem é um aviso sério de que as regras neste espaço são para cumprir.
Há um contrato estabelecido entre músicos e o público. Desta vez, é um programa que detalha o alinhamento dos temas e de quem os toca. Salvo imprevistos de última hora, tudo se irá processar como indicado. O pior que poderia acontecer seria o cancelamento e a devolução do custo dos bilhetes.
O Alentejo marca as escolhas da noite. Cada tema procura despertar nos espectadores a sintonia com a memória das festas e cerimonias da região ou apelar para a empatia dos que têm outras referências. É um desafio ainda por vencer. Os músicos que acompanham o Pedro Mestre estiveram no estúdio / laboratório onde se revestiram as modas com novas roupagens instrumentais, em arranjos inovadores nas harmonias, ritmos e noutros universos musicais com que se pretende renovar o cante.
Quando ouvi pela primeira vez o alinhamento do CD que antecedeu este espectáculo, escrevi: A viola "campaniça" é uma vez mais a raínha em "Campaniça do despique". A sua presença, mais ou menos discreta ao longo do trabalho é prova de ser um dos instrumentos a usar pelas suas qualidades tímbricas e expressivas, não como afirmação identitária como se de um chapéu ou de uns safões de pastor se tratasse. No palco do CCB, foi também a viola o protagonista. Reinventada para outros voos, que em nada desmerecem do seu passado de acompanhante do cante, em bailes e festas de terreiro, ou nos cantos ao desafio.
O tempo do isolamento das comunidades terminou há muito. Os renovadores e intérpretes do cante são pessoas inseridas num novo mercado de trabalho, com acesso a informação inimaginável há 50 anos, escolarizadas, cultas, com projectos de vida próprios em que opções ideológicas, religiosas e de costumes condicionam a sua vida e lhes permitem exercer em consciência direitos de cidadania participada.
Não nos espanta por isso que este espectáculo seja um desafio a quem espera a simples repetição do que se convencionou designar por música alentejana, como se fosse possível congelar o tempo e proibir a mudança que cada geração sempre trás consigo.