Diz a sabedoria popular que a verdade do fado está nos tradicionais e que naquele conjunto de quase 200 melodias passadas de boca em boca se pode viver a vida toda. Mas é natural que cada vida, para ser cantada em toda a sua integridade, precise de um vocabulário e de um código próprios. Sem menosprezo por esse imenso património tradicional, cuja riqueza e vitalidade nem à UNESCO escapou, Cuca Roseta vem reivindicando desde há muito um fado pessoal, feito à sua medida, não se entregando apenas nas mãos de terceiros mas propondo também as suas autorias, aplicando-lhe uma marca verdadeira e única. Um fado, por assim dizer, pessoal, intransmissível e reconhecível num par de segundos.
Não há na escolha deste caminho a mais ínfima arrogância. Mas há certamente a afirmação de uma mulher que não pede desculpa nem pede autorização para reclamar o direito a fazer as suas escolhas. O trajecto de Cuca Roseta tem sido feito, aliás, de pequenas ousadias que, ao invés de a colocarem no trilho mais habitual, confortável e seguro de cantar um repertório indistinto e pouco personalizado, assemelhou-se desde a primeira hora a um processo de descoberta individual. Desde logo, com a produção de um argentino oscarizado, Gustavo Santaolalla (premiado pelas bandas sonoras "O Segredo de Brokeback Mountain" e "Babel"), no seu homónimo álbum de estreia em 2011, mas pouco depois expandindo o seu universo com "Raiz" (2013), em que se assumia como compositora e letrista da maior parte dos temas.